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O mito dos animais escravizados

Por silperman

Artigo de Franklin Maciel

Desde que Walt Disney popularizou os desenhos animados, com animais agindo, sentindo, falando e se comportando feito gente, como o Mickey, um rato que até cachorro de estimação tem, muita gente sem noção, que nunca teve o hábito de conviver com animais, mais é cheio de opiniões e convicções, habitou-se a tratar animais, por serem seres sencientes, ou seja, capazes de sentir, o que é diferente de racionalizar, como se fossem gente, transferindo para eles, seus desejos, quereres, sentimentos e até ideologias, como se os animais fossem dados até a projetos políticos, como os animais do conto a Revolução dos Bichos, de George Orwell.

E assim, de repente, gente mal amada, descontente com a vida, começa a projetar nos animais suas frustrações pessoais e a formarem verdadeiras seitas, travestidas de falsa ciência como o tal Abolicionismo Animal, que idealiza animais como seres altruístas, movidos por grandes aspirações, em especial o conceito de liberdade… Mas será que na prática, essa ânsia por liberdade, tão característica do pensamento ocidental, realmente se traduz em necessidade real para animais irracionais?

Será que um passarinho nascido e criado a vida inteira em um viveiro ou gaiola, onde tem ao seu dispor conforto, comida, companhia, proteção realmente anseia a todo custo trocar essa vida segura pelos perigos e carências da vida selvagem?

Será que os cães abandonados nas ruas, portanto livres, se sentem mais felizes com sua liberdade que um cão numa residência, mesmo que essa liberdade se dê ao custo de fome, frio, sede, medo, doenças, inseguranças e agressões de todas as formas possíveis?

Para refletir um pouco essa natureza dos animais em relação ao conceito de liberdade, quero trazer dois pontos. O primeiro, o célebre mito da caverna incluso no Diálogo platônico “A República”, e o segundo, um artigo do cientista e professor Maurício Barbanti, médico veterinário com mais de 30 anos de experiência no estudo do comportamento de animais, sobre estudos realizados com animais em cativeiro.

No mito da caverna, Platão nos convida a imaginar a seguinte situação: homens prisioneiros desde sempre, acorrentados numa parede dentro de uma caverna, tendo como único contato com o mundo exterior, os sons que escutam e as sombras de pessoas e objetos que passam por trás da parede e são projetados no fundo da caverna.
Para esses prisioneiros, a realidade se limitaria aquelas sombras e aqueles sons associados a elas, ou seja, uma ideia distorcida do real. Fato semelhante ao filme Matrix, onde as pessoas viveriam numa realidade imaginária e idealizada, muito diferente e distante do real.

Mas se tanto no filme, quanto na caverna, alguém que conseguisse escapar daquela realidade e tivesse contato com o mundo real e voltasse para contar aos demais prisioneiros suas impressões desse mundo livre é muito provável que, ao reencontrar seu antigos companheiros acorrentados, esses debochassem dele e se recusassem a segui-lo, optando pela condição de ignorância que conhecem e estão familiarizados e adaptados, a enfrentarem uma realidade desconhecida em nome de uma subjetiva ânsia de liberdade e de saber.

Entretanto, escolher ficar ou seguir seria uma decisão exclusivamente humana, já que só humanos são capazes de fazer escolhas racionais. Animais naquela situação não conseguiriam fazer essa escolha já que, por serem irracionais, suas escolhas são movidas não por conceitos, preconceitos ou razão, mas pelas sensações, algo do tipo: aqui é seguro, aqui tem comida, aqui tem companhia, entre outros.

Resultado semelhante bteve o cientista e professor Maurício Barbanti ao analisar em estudos laboratoriais os níveis de estresse dos animais em cativeiro e na natureza e que pode ser lido num artigo na íntegra clicando aqui.

E por que medir o estresse?

Porque o estresse é uma resposta biológica mensurável sobre as condições de conforto e desconforto dos animais, já que, como eles não se comunicam através da linguagem, essa seria uma forma de medir, pelas reações biológicas, como esses seres reagem a depender do local onde habitam e como habitam.

E o que o professor Maurício descobriu em seus experimentos, desmonta muitas fantasias alimentadas por ideólogos da causa animal que, sem qualquer prova verossímil, baseando-se apenas em suas convicções e concepções primárias de mundo, vendem um suposto sofrimento dos animais que vivem em cativeiros, por estarem privados de viver na natureza. Portanto os animais selvagens seriam naturalmente felizes porque vivem em liberdade.

O que o professor e seus parceiros na pesquisa descobriram foi exatamente o oposto. Animais em cativeiro demonstraram níveis de cortisol (hormônio que controla o estresse) muito mais baixos que os de animais que vivem na natureza, uma vez que os animais na natureza vivem tensos, com o medo de predadores, com a escassez de alimentos, entre outras situações de estresse.

O professor também descobriu que animais capturados na natureza, após um período de aproximadamente 60 dias, a variar da espécie e sob manejo adequado, tendem, no cativeiro, a se adaptarem e reduzirem seu estresse a níveis normais. Entretanto, a reintrodução de animais, por maiores e melhores que sejam as condições desenvolvidas para essa readaptação na natureza, podem ser traumáticas, mesmo para os animais originalmente selvagens.

Portanto, toda vez que se vê algum agente ambiental ou militante da causa animal abrindo gaiolas por aí se achando um libertador de escravos, na verdade o que estamos vendo é um ignorante, quando não um demagogo cruel, que expõe animais a riscos e sofrimentos desnecessários simplesmente para fazer valer suas teses e ideologias sob aplausos de idiotas e ressentidos.

Logicamente, estamos falando em animais criados em cativeiro em condições adequadas e dignas e não em depósitos de animais como muitas vezes observamos em criadores sem escrúpulos e em acumuladores de animais que vivem nas redes sociais pedindo dinheiro e apontando sobre os outros, os maus-tratos que praticam no atacado, enquanto pintam-se de anjos protetores.

E você, pretende viver numa Matrix Animal ou numa caverna ideológica onde se imagina um libertador de animais, ou pretende a partir de agora começar a entender que animais não são coisas, mas também não são gente, nem fazem nenhuma questão de ser gente?

Lembre-se: quando nos esforçamos para compreender as coisas e seres como eles realmente são e não como gostaríamos que fossem, os caminhos se abrem e assim escolhas melhores, mais justas e dignas podem ser feitas.

Franklin Maciel é jornalista, consultor de políticas públicas e ambientalista há mais de 30 anos.

Na foto que ilustra o artigo vemos a onça-pintada Janis, que morreu recentemente no zoológico de BH com 19 anos de idade. A expectativa média de vida da espécie sob cuidados humanos é de 17 a 18 anos e, na natureza, entre 12 e 15 anos.

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