Eu nem me lembrava mais desse assunto. Mas gente ligada ao meu convívio familiar e profissional perguntou sobre o que eu acho do post no Instagram do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) noticiando que um grupo de médicas veterinárias de Alagoas escreveu um projeto de lei com o objetivo de dar suporte legal ao método CED, tornar o método uma lei. Esse PL (1993/2021) foi apresentado pelo deputado federal Marx Beltrão, também alagoano, à Câmara, em Brasília (DF).
Dei meu parecer sobre esse PL em junho de 2021, em matéria publicada na Revista Cães e Gatos, quando a jornalista Cláudia Guimarães me procurou para falar do assunto .
Aqui vou me debruçar sobre aspectos subjetivos do caso, na verdade, nem tão subjetivos assim.
Estive em Maceió por duas vezes em 2020 para fazer tratamento ecologicamente correto de ambientes com presença de gatos de vida livre. Em ambas as vezes a serviço da Ampara Animal. Nas mesmas oportunidades participei de duas audiências públicas para debater a situação dos bairros que estão afundando por conta da atividade mineradora da Braskem.
Braskem, bairros e audiências
A Braskem, uma empresa do grupo Odebrecht e subsidiária da Petrobrás, explora sal gema em bairros centrais da cidade de Maceió. Por conta das escavações e perfurações, quatro desses bairros estão condenados, estão literalmente afundando. Boa parte dos moradores foi evacuada pela defesa civil e ficaram para trás, permaneceram nos bairros, centenas de gatos domésticos, que agora são milhares, dada a facilidade de adaptação ecológica da espécie. Algo grave, que põe em risco a saúde pública, o bem-estar dos próprios gatos nas colônias e também compromete o ecossistema local. Por conta da necessidade instintiva de alimentação e predação, o gato faz decrescer as espécies nativas.
É relevante para o assunto em foco dizer que durante as audiências comandadas pelo Ministério Público local, das quais participaram a Comissão de Bem-estar Animal da OAB de Maceió, orgãos de saúde pública e vigilância sanitária da cidade, a Braskem, a Ampara Animal e a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), as veterinárias que apresentaram o PL 1993/2021 não estavam presentes. Ou se estavam, não se apresentaram e não debateram ou discutiram o plano que formulei para controlar a população de gatos com aplicação do método CED.
O plano fez parte de uma consultoria não formalizada da Ampara Animal para a OAB. Nele fiz o levantamento da quantidade existente de gatos dos bairros tomando como base os dados mais recentes do IBGE sobre o assunto. Além dos dados do IBGE a observação in loco ajudou no levantamento.
Formulei o plano e o documento descritivo do mesmo foi juntado ao trâmite da primeira audiência. Na segunda audiência o professor Pierre Escodro, um professor de medicina veterinária da UFAL, um especialista em equinos (e não em gatos), apresentou um plano muito parecido com o meu. Maceió é um lugar mágico de verdade. A Braskem apostou suas fichas no plano do professor, preterindo o plano apresentado na primeira audiência e que contava com o apoio da OAB e principalmente com o conhecimento de campo da Ampara Animal, a quem eu representava na audiência e ainda hoje dou suporte técnico.
A despeito do desfecho jurídico nada favorável para solucionar o problema dos bairros, fica a pergunta: onde estavam as especialistas do método CED em Alagoas durante esse processo? Por que não ajudaram? Ou estão ajudando o professor Pierre? De toda forma não me lembro delas e elas não se apresentaram quando o assunto era aplicação do método CED em Alagoas.
Penedo
Estive em Penedo também, cidade distante 200 km de Maceió. Todos os indivíduos capturados nessa ação foram esterilizados em Aracaju (SE), pelo Dr. Reinaldo Cirilo. Novamente não senti a presença das especialistas, tanto que atravessei para outro estado para castrar os gatos.
Maceió
Antes de viajar para Maceió pesquisei sobre a existência de algum grupo na cidade que praticasse o método CED, procurei por médicos que dominassem a castração minimamente invasiva (CMI), e para minha surpresa não havia nem ONG ou grupo e também não havia profissional capacitado para fazer a cirurgia de castração necessária ao funcionamento do método.
A cidade não tinha nem mesmo uma armadilha profissional. Foi preciso que a Ampara Animal enviasse todo o equipamento daqui de São Paulo.
Cidade sem controle
Por todo o período que permaneci na capital alagoana não vi um único gato de vida livre com marcação de orelha. Sinal claro de que o método não era praticado na cidade.
O trabalho foi possível em Maceió pela vontade de aprender de um jovem médico, o Dr. Lucas Fonseca, que conheci como colaborador da Pets House, no bairro Jatiúca. Trocamos muitas informações antecipadas e o veterinário competente e talentoso buscou aprimorar sua técnica cirúrgica, até que passou a ter domínio sobre a castração minimamente invasiva (CMI).
A magia de se tornar especialista
Agora vejam só, magicamente aparece em Alagoas um grupo de veterinárias especialistas no método CED!
E tentam dar o status de lei ao método incluindo uma espécie animal diferente no protocolo do mesmo. Acham que cachorro e gato são a mesma coisa…
O método CED é extremamente delicado e dedicado a tratar do controle específico do gato doméstico (Felis catus).
Meu trabalho e meu nome foram citados direta e indiretamente no PL por mais de quatro vezes. Não me consultaram. Sabiam como me achar. A Comissão de Bem-estar Animal da OAB maceioense tem meu contato, outras instituições e pessoas da cidade também.
É lamentável perceber que o que motiva alguém a falar sobre o que não conhece é a possibilidade de projeção política e likes nas redes sociais. Uma tristeza. Agora temos um projeto de lei torto tramitando no Congresso. É uma gente de Alagoas que chama armadilha de gaiola, denotando claramente a falta de contato com o assunto.
Adoro meus parceiros médicos veterinários, sem eles eu não seria nada. Mas o protagonismo no mundo do método CED nunca foi de médicos veterinários. Desde o início na Inglaterra é uma cultura profundamente associada a ativistas e mais recentemente a ambientalistas e biólogos. Via de regra, os médicos são parceiros, mas não comandam o processo.
A dona do método CED gostou
E a cereja do bolo foi o vídeo que recebi de alguém do grupo da “dona” do método CED no Brasil, elogiando e apoiando a iniciativa. Eu não sei o que é mais patético, um grupo de oportunistas ou gente que se autodenomina especialista e não consegue perceber a canalhice de aproveitadores que nunca existiram no meio.
Quando um especialista não enxerga um truque barato, ele perde sua condição de especialista e passa a ser parte do truque barato. Nesse caso específico, para surpresa de ninguém sério, e para os aplausos da plateia lobotomizada da dona do CED no Brasil.
Opinião / Eduardo Pedroso