Em

O método CED analisado tecnicamente em sua primeira etapa, a captura (parte 1)

Por Eduardo Pedroso

Com a coluna de dezembro de 2021, escrita para a revista Bom Criador, é continuado o trabalho de registrar e divulgar a prática de captura, esterilização e devolução de gatos de vida livre, que desde o ano de 2007 se estabeleceu como ferramenta necessária para mitigar o problema da superpopulação de gatos de rua no Brasil.

O método CED, a captura, esterilização, vacinação antirrábica, marcação e devolução de gatos domésticos de vida livre, é um conjunto de regras que, se bem executado, permite controlar com eficiência colônias de gatos nos meios urbanos e suas expansões.

O pioneirismo da ONG Confraria dos Miados e Latidos e sua idealizadora, Tatiana S. R. Cunha, e do médico Werner Payne, deve ocupar lugar de destaque na história do método. E se hoje o método de captura, esterilização e devolução de gatos de vida livre ainda não atingiu o nível desejado de acolhimento e compreensão por parte das autoridades sanitárias e ambientais, ele já está no coração de profissionais e instituições privadas, que são condutores e multiplicadores de seus conceitos e diretrizes técnicas.

Os conteúdos destas colunas contribuem para o esclarecimento de como executar o método com eficiência, extraindo dele os melhores benefícios para a saúde pública, a defesa da vida silvestre e o bem-estar dos animais de rua.

Sobre os conteúdos vistos até agora

Na coluna de estreia, em setembro de 2021, foi abordado o método de maneira conceitual, sua origem em Londres no século XX, suas aplicações no meio urbano, as motivações para a manutenção das colônias nos locais onde elas nascem e a resistência a aceitação do método, que apesar de existir há mais de 70 anos, ainda surpreende muita gente presa a ideias simplistas de remoção e confinamento de gatos de temperamento forte.

No segundo texto, outubro de 2021, a polêmica marcação de orelha foi examinada com profundidade. Observou-se a sua importância para distinguir gatos castrados de gatos não castrados nas colônias onde o controle é desejado e posto em prática.

Além da motivação didática, a coluna sobre a marcação de orelha foi escrita como uma resposta conjunta para rebater a tentativa de criminalização do método CED promovida por um grupo de protetoras não esclarecidas e respaldado por dois políticos paulistas, o vereador Felipe Becari e o deputado estadual Bruno Ganem.

Ambos oficiaram a Prefeitura de Ilhabela, cidade litorânea de São Paulo, cobrando explicações sobre a marcação de orelha feita em gatos da cidade, marcação feita pelo CRA (Centro de Referência Animal). Ambos chamaram a marcação de mutilação.

Além da pressão nas redes sociais pelo reconhecimento do erro ou má intenção dos políticos, pressão feita por técnicos e ativistas que conhecem e trabalham com o método CED, a revista Cães e Gatos publicou em junho um conteúdo esclarecedor sobre o tema. Na esteira dessa publicação, o biólogo Richard Rasmussen juntou-se ao movimento a favor do método CED e registrou em agosto uma ação de controle completa praticada nas ruas da capital paulista. Claro, a ênfase do vídeo documentário foi a saudável e necessária marcação na orelha dos gatos.

O episódio envolvendo os dois políticos e a tentativa de criminalização do método CED ficou conhecido com o Caso de Ilhabela.

Na coluna de novembro, o terceiro conteúdo, falamos a respeito da obrigatoriedade técnica de se utilizar a castração minimamente invasiva (CMI) nos trabalhos de captura, esterilização e devolução. A CMI como protocolo do método CED foi demonstrada e avaliada. Diversos profissionais que fazem cirurgias de esterilização colaboraram para a produção do material esclarecedor.

A captura

É essa etapa que dá início ao processo de controle de colônias de gatos de vida livre com o método CED. O bom desempenho dessa etapa depende quase que exclusivamente da habilidade e conhecimento de campo do agente que vai praticar o controle.

Esse agente de CED, também conhecido, para efeito de cumprimento desse momento de aplicação do método, como capturador, e às vezes também chamado de laçador, é na verdade, um caçador.

Para comprovar essa afirmação basta buscarmos entender essa figura, o capturador, dentro da perspectiva que compreende o ser humano como um produto histórico de seus antepassados, do homem fruto de seus ancestrais, nós como herdeiros do desenvolvimento técnico milenar de nossos antecessores no planeta.

Quem captura, caça. Portanto o agente de CED é um caçador. Afinal, seu aprendizado e aquisição técnica, e a perpetuação desses elementos para as futuras gerações, estão umbilicalmente presos ao passado de luta árdua de seus ancestrais para sobreviver em meio às intempéries climáticas e ameaças de outras espécies, mais fortes e habilidosas no embate corporal.

O homem caçou para matar a fome. E sobreviveu porque caçou. Ponto final. Negar isso é negar a ciência e a história, é querer impedir que a noite nasça depois do dia, ou que a chuva não molhe o topo da montanha. É impossível.

Foi caçando que nós seres humanos atingimos o estágio civilizacional em que os encontramos. Se é bom ou ruim o estágio atual? Deixo essa conclusão para quem lê. Apenas lembro, e friso, que como espécie triunfamos, sobrevivemos e evoluímos, no sentido darwiniano.

A tentativa de criminalizar a caça, como se observa em ações de grupos políticos militantes doutrinados por ideologias artificiais de orientação politicamente correta, pode ter consequências desastrosas para a existência do método CED, e por consequência pode afetar negativamente a saúde pública, a conservação de espécies nativas e o bem-estar dos gatos de colônia.

Criminalizar a caça pode nos roubar o direito, e o dever, de controlar espécies problemas. E é óbvio que esse texto não se presta a incentivar a caça predatória. Caça predatória é crime.

A caça e o caçador devem ser medidos pelas suas finalidades e atos, e não pela sua existência. É fácil entender isso quando observamos as ações do vereador carioca Gabriel Monteiro. Esse rapaz tem o costume de acordar médicos que deveriam estar trabalhando em plantões de hospitais públicos no Rio de Janeiro. Podemos deduzir que toda classe médica carioca dorme em serviço enquanto a população sofrida aguarda por atendimento? Claro que não. Assim como não podemos deduzir que todo vereador seja valente na defesa do povo como é o Gabriel.

Assim é com o caçador.

Tentar criminalizar a prática e o conhecimento históricos de capturar animais, conhecimento e prática herdados de pessoas que viveram antes de nós na Terra, é algo bastante despropositado, e que só faz parte do mundo de faz de conta de grupos políticos e militantes ambientais que desconhecem a história humana e a julgam, de maneira precipitada, toda ela imperfeita e passível de correções. Como se isso fosse possível.

A vida é como ela é. Assim como as armadilhas e o conhecimento de fabricá-las e utilizá-las.

Vamos falar delas? Afinal não se pratica CED sem boas armadilhas. De jeito nenhum.

A drop trap

O inglês é a língua oficial do método CED. O método nasceu em Londres e ganhou o mundo. Portanto, tudo, ou quase tudo, que se refere a ele responde a nomenclaturas e siglas em inglês. TNR, por exemplo, é trap, neuter and return; em bom português é CED, captura, esterilização e devolução. Se você ler em algum lugar a sigla TNR, e o contexto for controle de gatos de rua, saiba que se trata do método CED.

Drop trap quer dizer, em tradução livre, armadilha que cai. E vocês se lembram da conversa acima sobre o legado de conhecimento deixado para nós pelos nossos antepassados? Pois bem, a drop trap se encaixa exatamente nesse contexto.

Obrigado, povos originários

Sim, a drop trap foi uma invenção dos índios sul-americanos. Pode, por se tratar de ferramenta rudimentar ter sido uma invenção de cunho universal, nascendo no seio de várias culturas originárias planeta afora? Pode. Entretanto os registros apontam para a América do Sul, para o Brasil e para os povos que aqui estavam antes da chegada dos europeus e africanos.

Uma rápida pesquisa de imagens no Google nos permite afirmar de maneira inequívoca que a arapuca dos índios brasileiros é o engenho primordial que deu origem à drop trap, hoje produzida de forma industrial nos EUA e Brasil.

A arapuca, do tupi guarani “ara, sinônimo de guirá (ave), e puca (rebentar, estourar)” é, ainda nos dias de hoje, ferramenta da rotina de caça dos índios.  

Armadilhas indígenas, dentre elas a arapuca, podem ser conferidas na plataforma digital que abriga a famosa exposição Os primeiros Brasileiros, baseada no acervo etnográfico do Museu Nacional / UFRJ, e que contém muita informação boa sobre os povos originários, incluindo fotos dos artefatos de caça.  Aqui o link para visitar: https://osprimeirosbrasileiros.mn.ufrj.br/pt/apresentacao/

Armadilha indígena do Nordeste

Drop trap, a arapuca do agente de CED

O diferencial dessa armadilha em relação às demais utilizadas para controle de gatos de vida livre, está no fato de possibilitar a captura de mais de um indivíduo por vez.  Normalmente entre um e quatro gatos podem ser capturados puxando com uma corda, ou barbante grosso, a peça que sustenta a drop trap na posição inclinada e aberta, o que permite a entrada dos animais que são atraídos pela isca.

Após o desarme, os gatos ficam bastante estressados e se movimentam com muita intensidade dentro da armadilha, ficam muito agitados, motivo pelo qual é necessário cobrir com um pano largo o equipamento logo após a captura. Isso acalma os animais e permite um manejo mais seguro no passo seguinte, o da transferência.

Transferência

Esse é o momento em que os gatos capturados são deslocados da armadilha para a caixa de transporte, para que sejam conduzidos para a clínica veterinária, onde um profissional médico veterinário aguarda para colocar em andamento a segunda etapa do método CED, a da esterilização com técnica minimamente invasiva, imunização contra raiva e marcação de orelha.

Na parte traseira da drop trap localiza-se uma porta do tipo guilhotina, que se movimenta correndo em trilhos de baixo para cima e vice-versa, em diferença e oposição ao sistema de porta convencional, que abre e fecha para fora e dentro dos equipamentos.

É por conta dessa característica, porta tipo guilhotina, que a caixa de transporte precisa respeitar o mesmo padrão. Ou seja, para efetuar a transferência de gatos de dentro de uma armadilha drop trap, é preciso que a porta da caixa de transporte respeite o mesmo sistema de guilhotina. Para que haja a ligação física e encaixe perfeito entre os dois objetos. Para que armadilha e caixa estejam acopladas no momento da transferência, evitando a fuga do animal capturado.

A drop trap brasileira

Produzida a partir da necessidade da ONG Bicho Brother de executar seus trabalhos de campo, foi desenvolvida pelo engenheiro e empresário Paulo Ferreira, fundador da Fermarame, empresa com mais de 30 anos de experiência no mercado de produção de armadilhas para animais.

“A produção da drop foi rápida. Eu já conhecia esse equipamento de feiras americanas que visitei anos atrás. Aceitei a sugestão do meu amigo Eduardo e criei um jogo de ferramental para a produção dessa armadilha. Hoje é um equipamento muito procurado por clientes meus que trabalham especificamente com gatos de colônia”, conta Paulo Ferreira.

A drop trap, juntamente com as armadilhas automáticas de vários tamanhos, as armadilhas manuais menores, o puçá e as caixas de transporte, formam o time que vai a campo para os trabalhos de captura.

Continuaremos a falar de armadilhas nas próximas colunas. É um assunto que não se esgota facilmente, pois os desafios para controlar de maneira ecologicamente correta a população de gatos de rua se apresentam todos os dias.

Fonte: Revista Bom Criador de dezembro de 2021

Eduardo Pedroso

Deixe um comentário