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Silvestre é pet? Resposta do biólogo Sérgio Greif

Por Eduardo Pedroso

E a pergunta continua a ser respondida. Dessa vez pelo biólogo e grande figura humana, Sérgio Greif.

Chama atenção em sua resposta o momento em que ele opina sobre a manutenção de indivíduos que estejam, por variados motivos, sob a posse de particulares. Para ilustrar essa ideia temos dois casos recentes e de repercussão nacional, o da capivara Filó e o do gambá Emílio, este ultimo com desfecho trágico.

Faunauê: Sérgio Greif, animal silvestre é pet?

Sérgio Greif: Animal silvestre não é pet, mas ele pode estar em uma condição de domesticação.

Faunauê: Pode nos explicar melhor?

Sérgio Greif: Animais domésticos são, por definição, resultado de anos de seleção artificial imposta pelo ser humano, para produzir animais com características desejáveis que favoreçam sua exploração pelo ser humano, sendo um dos requisitos para o sucesso desta criação a facilidade de reprodução controlada e a manifestação, quase sempre, de um comportamento dócil. Animais silvestres não passam por todo esse processo de seleção artificial, que muitas vezes remontam a milhares de anos, e por definição não são pets.

Por outro lado animais silvestres podem ser, muitas vezes, mantidos em ambiente doméstico, e se o forem desde tenra idade, podem não repelir o jugo humano e até se afeiçoar aos seus mantenedores. Não quer dizer que estes animais se encontrem em uma situação ideal, mas dado ao fato de terem sido contaminados por um imprinting humano, haverem suprimido seu comportamento instintivo e muitas vezes manifestarem deficiências físicas decorrentes do próprio cativeiro, sua reabilitação para reintrodução se torna impossível.

Faunauê: Então você concorda que a domesticação pode ser a melhor opção para animais silvestres em alguns casos?

Sérgio Greif: Em situações muito específicas que devem ser analisadas caso a caso, por exemplo um jabuti ou um papagaio, que já estejam vivendo na casa de uma família há 40, 50 anos, ainda que tenham sido adquiridos de forma irregular, mas nesse momento necessita-se avaliar o que será melhor para aquele indivíduo animal (não para a família). Vale a pena remover o animal daquela família à qual ele já está acostumado e encaminha-lo a um Centro de Triagem de Animais Silvestres onde ele será colocado para conviver com outros de sua própria espécie, mas com os quais ele não saberá socializar?Este animal poderá ser reabilitado para ser introduzido ou permanecerá institucionalizado em um lugar que muitas vezes oferece condições piores em relação àquelas em que ele se encontrava anteriormente?

Então concordo que aqueles animais já nascidos e já ambientados a lares e ao jugo humano e para os quais se considere que não há condições de reabilitação, e cujas condições propiciadas pela família sejam consideradas adequadas, que nesses casos específicos os animais permaneçam na condição em que se encontram, tendo em mente o interesse do próprio indivíduo animal. Mas de novo, eles não são animais domésticos, apenas estão domesticados.

Faunauê: Que o IBAMA te ouça.

Faunauê: E nas situações em que o animal silvestre é adquirido de acordo com a lei?

Sérgio Greif: Veja, algo pode ser perfeitamente legal e ainda assim completamente imoral. Uma dada lei pode determinar que animais silvestres podem ser domesticados desde que sejam tais e tais espécies, e que sejam seguidos tais e tais pré-requisitos, mas as leis são escritas por seres humanos para atenderem a interesses humanos.
O que garante que essas diretrizes atendem aos interesses dos animais?
Apenas como um exercício mental, se animais silvestres legislassem em seu próprio nome haveria listas de espécies que podem ser reproduzidas em criadouros comerciais e comercializadas em lojas de animais?

Aliás, se animais domésticos pudessem legislar em seu próprio nome, eles também não poderiam ser reproduzidos e comercializados, pois estas são atividades de interesse humano que não atendem aos interesses dos animais.
A imoralidade de uma lei que autoriza a manutenção de animais silvestres por particulares é evidente. Desde que um indivíduo possua capital suficiente ele poderá adquirir uma arara, um papagaio, um tucano, um mico ou um jabuti, mas não há qualquer exigência mínima com relação à forma como esses animais deverão ser mantidos, e mesmo que isso venha a existir, isso não será fiscalizado.

Faunauê: Na sua opinião, o comercio legal de animais silvestres auxilia na preservação dessas espécies?

Sérgio Greif: Mesmo que tal relação fosse verdadeira, reproduzir animais e comercializá-los continuaria sendo um dilema ético, pois a preservação da espécie também não justifica o sacrifício de alguns indivíduos, pelo ponto de vista destes mesmos indivíduos.
Se temos a intenção de preservar espécies devemos manter seus habitats naturais e impedir a retirada de indivíduos das populações. A preservação ex-situ pode auxiliar de maneira bastante limitada em alguns casos, quando a perturbação no ambiente é circunstancial, por um universo temporal relativamente curto, e quando há perspectiva de reintrodução dos indivíduos em curto espaço de tempo.

Qual o sentido de se falar em preservação de espécies cujo habitat foi completamente suprimido? Preservá-los para introduzir aonde? A biodiversidade será mantida eternamente em cativeiro apenas na esperança de se utilizar aquelas sequencias genéticas para alguma finalidade humana?
Ademais, que espécie de preservação ex-situ será essa? Em um criadouro conservacionista voltado à preservação de uma espécie é possível se manter uma população viável de indivíduos se reproduzindo, com a reabilitação e reintrodução de alguns indivíduos, que continuarão se reproduzindo em liberdade.

Caso se trate de um criadouro comercial, a prole será destinada à venda, sendo que grande parte destes indivíduos jamais se reproduzirão, e menos ainda serão reabilitados e reintroduzidos. Ainda que exista um compromisso estatutário desses criadouros de encaminhar parte da prole para a reintrodução na natureza, isso obviamente não contribui para a preservação das espécies.
Há sim o risco de que muitos desses criadouros sejam utilizados para “esquentar” animais aprendidos pela polícia do trafico, pois de que forma será feito o controle dos nascimentos? Quem garante que parte dos jabutis comercializados por um criadouro de jabutis não serão animais aprendidos de traficantes e encaminhados para servirem de matrizes em criadouros? Que aves apreendidas de traficantes não receberão anilhas identificando que nasceram nesses criadouros? Que uma vez que a sociedade esteja permeada de animais silvestres supostamente legais se reproduzindo nas casas das pessoas, isso passe a dificultar o próprio rastreamento de origem destes animais.
Parece mais provável que o comercio legal de animais silvestres sirva para justificar a comercialização ilegal de animais do que ele preste, realmente, à preservação dessas espécies.

Faunauê: Mais alguma consideração?

Sérgio Greif: Em resumo, propagar a ideia de que animais silvestres são pets é um desserviço que se presta aos animais, e que contribui para com a continuidade de mais uma forma de exploração animal.

Faunauê: Obrigado, Sérgio Greif.

Sérgio Greif é biólogo formado pela UNICAMP, mestre em alimentos e nutrição com tese em nutrição vegetariana pela mesma universidade, especialista em gerenciamento ambiental pela ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo), professor do IPOG (Instituto de Pós-graduação e Graduação), professor do Senac de SP, ativista pelos direitos animais, vegano desde 1998, consultor em diversas ações civis públicas e audiências públicas em defesa dos direitos animais. Co-autor do livro A Verdadeira Face da Experimentação Animal: A sua saúde em perigo e autor de Alternativas ao Uso de Animais Vivos na Educação: pela ciência responsável, além de diversos artigos e ensaios referentes à nutrição vegetariana, ao modo de vida vegano, aos direitos animais, à bioética, à experimentação animal, aos métodos substitutivos ao uso de animais na pesquisa e na educação e aos impactos da pecuária ao meio ambiente, entre outros temas. Realiza palestras nesse mesmo tema. Fundador e ex-membro da Sociedade Vegana.

Na foto que ilustra a matéria vemos o biólogo Sérgio greif com seu cachorro Ralph.

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