Em

Silvestre é pet? Resposta de Juliana Camargo, presidente da Ampara Animal

Por Eduardo Pedroso

A Juliana foi minha compaheira de trabalho e por ela guardo enorme estima e consideração. Por conta da sua inteligência e seu caráter empreendedor, tive a oportunidade de testar o método CED com relativo sucesso no mercado do varejo. A expectativa, pensando sempre de maneira positiva, é que dentro de alguns anos esse segmento do mundo corporativo tenha o controle ético de gatos de vida livre como premissa básica em sua pauta de ações ambientais. Isso não é pouco. Isso é transformador.

A pergunta foi feita para ela.

Faunauê: Juliana Camargo, silvestre é pet?

Juliana Camargo: Definitivamente animal silvestre não é pet!

Faunauê: E por quê?

Juliana Camargo: Animais silvestres têm um papel ecológico no meio ambiente, logo trazer esses animais para o convívio nas cidades, nas casas e no dia-a-dia do ser humano, é tirar a essência e limitar todo o comportamento da espécie.
O termo pet vem da língua inglesa e está associado a animais que vivem nas casas dos humanos, logo não faz sentido assumir que animal silvestre seja um PET. A palavra PET também tem uma relação de gentileza, mais um ponto que torna impraticável assumir que um silvestre seja pet.

Faunauê: É ponto pacífico que animais silvestres guardem diferenças em relação a animais tradicionalmente domésticos, como cães e gatos. Isso é perfeitamente compreensível.

Juliana Camargo: Sim. É importante entender as diferenças entre um animal doméstico e um animal silvestre. Se formos utilizar a ciência e termo técnicos, o animal doméstico, por ter evoluído milhares de anos junto do homem, perdeu suas funções biológicas e no meio ambiente – ou seja aquele animal tem relação com o homem e não mais com a natureza, se tornando até mesmo incapaz de sobreviver sem o cuidado humano. Esse processo ocorre com o cruzamento selecionado e após milhares de anos faz com que a espécie perca até mesmo algumas características fenotípicas, como, por exemplo, a agressividade, e ganhe outras, para estar mais adaptado ao convívio com o homem. Aqui estão os cães, gatos, vacas, cavalos e dezenas de outras espécies.

Faunauê: É um processo de adaptação e seleção. O gato doméstico há 12 mil anos era uma espécie silvestre, o gato selvagem africano. A mão humana transformou o selvagem para controle biológico e temos hoje uma “nova” espécie, que tornou-se um bicho de estimação. Cães em relação aos lobos seguem a mesma lógica. Mas são milhares de anos convivendo com o ser humano. Sua idéia faz muito sentido.

Juliana Camargo: Já um animal Silvestre mesmo que tenha nascido em cativeiro por quatro, cinco ou 10 gerações e seja amansado ele ainda é silvestre, em especial porque estamos falando de um espaço de tempo muito curto. Esse animal mesmo nascendo fora da natureza, carrega seus genes e mantem seu comportamento natural, e com isso consegue exercer com potencial seu verdadeiro papel na natureza. Em geral, as características e necessidades desses animais são muito mais complexas e difíceis de serem atendidas em cativeiro, em comparação aos animais já domesticados, levando a problemas comportamentais, de saúde e de bem-estar.

Faunauê: Nos dê um exemplo.

Juliana Camargo: Um papagaio ou uma arara são seres sociais que permanecem o tempo todo juntos e podem voar de dezenas a centenas de quilômetros por dia. Os 20 minutos de atenção diária dada ao animal que permanece numa pequena gaiola ou tem sua asa mutilada está longe de atender as necessidades mínimas da espécie. Quando mantemos um silvestre em cativeiro, estamos aniquilando qualquer chance desse animal ser o que ele foi projetado pela Natureza para ser: voar ou correr, se expressar e ser livre ! Tudo isso por um motivo muito egoísta da simples vontade de se possuir um animal.

Além disso, há evidências muito claras que demostram que o comércio de silvestres no mercado pet pode impactar ainda mais na conversação das espécies, aumentando o tráfico ilegal, causando ainda mais sofrimento aos animais capturados e ameaçando suas populações selvagens. Outro ponto, que não pode ser descartado são os perigos à saúde humana, com as doenças zoonóticas que os animais silvestres podem carregar consigo. E o exemplo mais claro disso foi a pandemia de covid-19 ou mesmo os temores da gripe aviária.

Faunauê: Na recente entrevista dada para esse site, o biólogo Richard Rasmussen evidenciou a legislação brasileira. Ele apontou a resolução 489 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que define a possibilidade legal de um silvestre ser um animal de estimação. O que você acha disso?

Juliana Camargo: As regras e leis brasileiras permitem que animais silvestres sejam comercializados, mas isso não os torna animais domésticos. Eles até podem ser considerados por alguns como animais pet, visto que esse termo no Brasil existe única e exclusivamente para enquadrar animais dentro de um mercado de compra e venda. Mas ainda assim, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) é o órgão federal que publica a lista de espécies consideradas domésticas no Brasil, e essa lista está muito mais relacionada ao processo de domesticação do que com a disponibilidade de animais legalizados no mercado.

Hoje o que o movimento em prol da comercialização de animais silvestres quer, é que qualquer animal criado em cativeiro seja considerado doméstico, porque isso facilita o processo de venda, reprodução, etc, pois esse grupo de animais não tem legislações e normativas que de fato regulamentem o processo. O processo então acaba ocorrendo de forma muito permissiva e liberal, e isso acaba por gerar muito mais sofrimento aos animais. Basta ir em uma loja e ver como ficam expostos em gaiolas minúsculas e extremamente adensados os periquitos australianos, Calopsitas, patos, pombo, e

Faunauê: A primeira entrevista da série Silvestre é pet? foi com o ambientalista Wagner Ávila. A posição dele é favorável a criação de silvestres para finalidade doméstica. Ele cita, como forma de corroborar sua posição, a CITES, que é a convenção internacional que determina que os países que a assinaram têm a obrigação de preservar sua fauna, e uma das maneiras de preservação da fauna silvestre é a criação ex-situ. Qual sua opinião a respeito?

Juliana Camargo: Tratados de comércio como a CITES não têm relação nenhuma sobre o animal ser doméstico ou não. Na verdade, a CITES justamente tenta regular o comércio de espécies silvestres de plantas e animais, e é uma ferramenta que tenta auxiliar no regramento para que o comércio não extermine as espécies. Ou seja, nada tem a ver com o animal ser doméstico ou não, e sim está mais ligado ao uso da biodiversidade como mercadoria. Vale reforçar que a CITES impede o comercio de espécies mais ameaçadas, justamente porque o comércio de animais não pode ser assumido como ferramenta de conservação.

O que muitos tentam dizer por aí é que criar animais em cativeiro é conservação, mas isso não é uma verdade. Conservação ex-situ é aquela que necessita de ações em cativeiro, porém isso não quer dizer comércio, e não é para qualquer espécie, em qualquer situação, basta olhar o Manual da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) que ilustra de forma clara em que circunstâncias e condições medidas de conservação ex-situ devem ser aplicadas. Pesquisem o IUCN Species Survival Commission Guidelines on the Use of Ex situ Management for Species Conservation.

Faunauê: Mais alguma consideração?

Juliana Camargo: O fato de nossos antepassados terem passado por um processo de exploração dos animais, muitas vezes regado de crueldades, não legitima essa prática hoje. Costumes não são eternos e eles devem mudar de acordo com o avanço da sociedade. A posse de animais silvestres hoje está mais relacionada ao status e likes nas redes sociais, do que o uso que indígenas ou povos originários faziam.

Hoje temos plenas condições de viver em harmonia com os animais silvestres de forma livre. Existem milhares de artifícios que favorecem o convívio saudável sem que seja necessário privar animais de sua liberdade, ou até mesmo de se movimentar – afinal aves voam, mas a gaiola não permite.

Faunauê: Juliana Camargo, muito obrigado!

Juliana Camargo é jornalista pós-graduada em gestão ambiental e ESG. Presidente e fundadora do Instituto Ampara Animal.

Deixe um comentário