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Silvestre é pet? Entrevista com o ambientalista Wagner Ávila

Por Eduardo Pedroso

O Brasil recentemente se descobriu uma nação envolvida em polêmicas. São muitas e tudo o que era intocável e quase imperceptível anos atrás, não é mais. Não somos mais pautados pelo jornal televisivo da velha imprensa e há muito o que falar sobre temas diversos. Um deles, importante como o ar que respiramos e vital como a comida na nossa mesa, é o meio ambiente. Aliás, a qualidade do ar e a produção de alimentos são assuntos da pauta ambiental.

Essa, até pouco tempo atrás esquecida e negligenciada, entrou na nossa vida como um parente que chegou de viagem e vai dormir no sofá da sala por um longo período. A questão ambiental virou uma parada obrigatória e exige um posicionamento.

Politicamente falando, uma vez que o homem é um ser político, é o conjunto de posicionamentos individuais que forma a opinião pública, mola propulsora de tomadas de decisões. Ficar quieto sobre assuntos que tocam o meio ambiente não vai nos ajudar. É preciso pensar e falar sobre os diversos temas que estão presentes na questão ambiental. Abrir suas gavetas.

Uma das gavetas mais importantes da pauta ambiental é o entendimento e as ações que devemos tomar para defender os animais silvestres. E dentro dessa gaveta está a preciosa e particular discussão sobre a condição, ou não, de animais silvestres assumirem o papel de pets, ou seja, animais de estimação, em possível e gradual substituição da população de cães e gatos.

Então vamos à pergunta que será repetida para outros ambientalistas e pessoas de interesse para a pauta ambiental.

Faunauê: Wagner Àvila, animal silvestre é pet?

Wagner Àvila: Sim! Primeiro porque é legal.

Faunauê: No sentido de regulamentação jurídica?

Wagner Ávila: Exato. Em segundo lugar porque somos signatários da Cites (1), uma convenção internacional que determina que os países que a assinaram têm a obrigação de preservar sua fauna, e uma maneira de preservar a fauna é a criação ex-situ (2). E a criação ex-situ financiada pelo Estado não tem futuro. Isso é histórico, a criação ex-situ feita por orgãos públicos não dá certo, não há competência. O Estado deve cuidar de Educação, Saúde e Segurança, se ele não consegue cuidar desses itens, não vai conseguir cuidar da fauna de modo ex-situ.

Faunauê: A quem deve ser dada a missão de criar ex-situ?

Wagner Àvila: O empreendedor de fauna. E o empreendedor deve ter lucro, é uma atividade econômica. Agora, você só vender o animal, por exemplo, uma cascavel, essa espécie não é pet, não é um animal de estimação…

Faunauê: Qual sua definição para animal de estimação?

Wagner Àvila: Animal de estimação é todo aquele que pode ser domesticado. E todo animal com algum grau de inteligência pode ser domesticado.

Faunauê: Uma iguana?

Wagner Àvila: Tem gente que tem iguana e joga a bolinha para o bicho buscar, como um cachorrinho. As aves são muito inteligentes também. O gavião-de-rabo-branco, a Chip, que está piando, me chamando nesse momento, é porque está com fome. Às vezes ela não está como fome, ela só quer a minha companhia. Ela quer que a pegue na mão, faça carinho. As araras então… Os psitacídeos adoram interação. Há vários casos de animais que vivem soltos e quando chega o ser-humano, voam para o braço da pessoa.

Faunauê: Papagaios são bons exemplos, não?

Wagner Àvila: Ah, sim! Conheço uma pessoa que administra uma fazenda e que tem um papagaio, a Beatriz. Esse exemplar era um indivíduo selvagem, quando era filhote caiu do ninho e foi cuidada. Viraram amigas inseparáveis para o resto da vida. A particularidade é que a Beatriz dorme no mato, a pessoa a chama e ela aparece para a interação.

Faunauê: Isso é muito interessante. Faz crer que é perfeitamente possível conviver de maneira harmônica com várias espécies.

Wagner Àvila: Sim, no mundo inteiro animais da fauna local acabam sendo eventualmente adotados por pessoas e passa a existir uma relação de confiança entre ambos. Essa relação de confiança nada mais é do que a velha ligação do homem com seu animal doméstico.

Faunauê: Nossos ancestrais e os povos orginários do Brasil experimentaram com muito mais profundidade esse fenômeno.

Wagner Àvila: A coisa mais assertiva que eu posso te dizer é o seguinte: a relação dos homem com os animais é inerente ao ser humano. O ser humano não consegue evitar. Faz parte da natureza humana domesticar outras espécies. Querer separar o ser humano da fauna é um erro crasso, até porque nós fazemos parte dessa fauna. É extremamente natural esse processo.

Faunauê: Muito boa essa relação que você traçou. Somos parte da natureza.

Wagner Àvila: Exato. Em todas as comunidades primitivas do mundo existem animais de estimação. E não são cães e gatos. Esses são exóticos e invasores, são artificiais. Via de regra são animais da fauna local. É perfeitamente possível ter um animal silvestre como pet.

Faunauê: Muito obrigado.

Wagner Ávila é adestrador de animais e ambientalista. Diretor da Federação Brasileira de Adestradores (FBAA) e do Sindicato Nacional dos Criadores de Animais (SINCA XERIMBABO).

A foto que ilustra a entrevista. Wagner Àvila e Dodô, um jacurutu (Bubo virginianus), animal da fauna silvestre brasileira.

  1. Sobre a Cites. Trata-se da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites), assinada pelo Brasil em 1975, para regular de forma eficaz o comércio de espécies da fauna e flora, prevenindo-as do perigo de extinção, quando a ameaça for o comércio internacional. Para tanto, atribui aos países produtores e consumidores sua parte na responsabilidade comum e estabelece mecanismos necessários para garantir a exploração não prejudicial das populações. Com base nos procedimentos propostos pela Convenção, o governo brasileiro – por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), incorporou em seus procedimentos para a avaliação e emissão de Licenças de exportação/importação.
  2. https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/biodiversidade/cites-e-comercio-exterior/convencao-sobre-comercio-internacional-das-especies-da-flora-e-fauna-selvagens-em-perigo-de-extincao-cites
  3. Definição de ex-situ: “Conservação ex situ, que significa literalmente, conservação fora do lugar de origem, é o processo de proteção de espécies em perigo de extinção, de plantas e animais pela remoção de parte da população do habitat ameaçado e transportando-as para uma nova localização, que pode ser uma área selvagem ou um cativeiro.” Wikipédia.

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