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Estresse – Mitos e verdades parte 2 – Entrevista com o cientista e professor Maurício Barbanti

Por Eduardo Pedroso

O foco da conversa foi discutir a atualidade da pesquisa revelada na forma de um artigo em 2018, e saber o quanto essa pode servir de instrumento para combater a desinformação e o preconceito na área ambiental.

Faunauê: Professor, seu estudo a respeito do estresse em animais silvestres é uma referência científica. O sr. poderia nos lembrar em linhas gerais o conteúdo de seu trabalho?

Maurício Barbanti: Claro. Eu e meu grupo utilizamos o papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) em quatro situações: vida livre, zoológicos, pertencentes a criadouros comerciais e categoria pet (animal de estimação). Coletamos fezes desses bichos de maneira não invasiva e através de análises concluímos que os níveis de cortisol, um hormônio que tem forte relação com o estado de estresse, apareceram em quantidades mais altas nos papagaios de vida livre em comparação a todas as categorias de cativeiro.

Faunauê: E em qual grupo verificou-se a menor quantidade desse hormônio do estresse?

Maurício Barbanti: No grupo pet, apesar de não haver diferença significativa para outras categorias de cativeiro. A diferença significativa foi entre todas as categorias de cativeiro com os de vida livre.

Faunauê: Quer dizer que o papagaio da Dona Maria é menos estressado que o papagaio que vive no Pantanal?

Maurício Barbanti: Sim. Os níveis de cortisol apreciados em animais de vida livre são mais que o dobro em comparação aos de cativeiro.

Faunauê: Isso é muito interessante. O artigo que contém a descrição desse estudo pode ser lido aqui:

Faunauê: Professor, podemos deduzir dessa experiência que o senso comum, “animais em situação de cativeiro são tristes”, merece uma revisão? Ou melhor, essa ideia deve ser desconstruída, correto? Ressalvando que tristeza, tal como entendemos de maneira mais simples, é um dado da realidade humana que transferimos para os animais, como o Sr. escreve no artigo.

Maurício Barbanti: Sim, é preciso desconstruir a ideia que animais silvestres que vivem em cativeiro estão estressados. No cativeiro o bicho tem estímulo estressor quase nulo. Não tem predador, não tem competição por comida e não tem defesa de território. Tais fatores fazem com que os níveis de cortisol sejam muito baixos. Isso pode levar o animal a um estado de ócio e inatividade que pode levar as pessoas a entenderem como tristeza, mas não é isso.

Faunauê: Se não estão estressados, estão bem. A qualidade de vida é boa.

Maurício Barbanti: Sim. Entretanto é fundamental observar que o manejo correto é sempre requerido para todas as espécies. Algum estímulo é sempre importante (brincar, oferta de novidades na gaiola, alimentos escondidos, etc.), para quebrar um pouco do ócio, em especial para o animal de estimação (PET).

Faunauê: Hoje lidamos com uma realidade bastante perniciosa para a conservação das espécies. Um número significativo de pessoas faz ataques aos zoológicos e pede o fechamento dessas instituições. O que Sr. acha dos zoológicos?

Maurício Barbanti: Eu sou super a favor dos zoológicos. A filosofia deles é muito interessante, aliar conservação, educação, pesquisa e lazer em um só lugar. Isso não quer dizer que os nossos zoos sejam maravilhosos, precisam melhorar e devemos lidar com essa realidade. Tenho opinião positiva também em relação aos criadouros. São ferramentas de conservação das espécies.

Faunauê: Muito se fala sobre a sensação que se tem, ao observar um animal em cativeiro, que esse está ocioso e parece apático, denotando de tal fato que ele não tem uma qualidade de vida satisfatória.

Maurício Barbanti: Os animais não necessariamente precisam estar fazendo algo para estarem bem. Vamos fazer uma apropriação do comportamento humano para dar o exemplo de como os bichos em cativeiro podem ter boa qualidade de vida. O que nós queremos para relaxar e ter uma boa sensação é comer batata frita na frente da televisão. Com os bichos não é diferente. Necessariamente não precisam estar em atividade para estar em paz. Entretanto, o exercício e as atividades diárias podem ajudar na saúde e pode ser importante, mesmo que eles não queiram fazer.

Faunauê: Na natureza?

Maurício Barbanti: Na natureza os níveis de cortisol são muito mais altos pois os estímulos estressores são muitos. Defesa de território, ritual de acasalamento que envolve disputas com outros machos, fugir da predação ou predar, enfim, a vida livre é estressante. E o estresse, aprofundando um pouco a conversa, não é ruim na natureza, ao contrário, ele faz parte do processo evolutivo, é um mecanismo de defesa. É o fator que determina o comportamento de autopreservação do indivíduo no meio livre.

Faunauê: No zoológico, ou no criadouro, comercial ou conservacionista, o animal está livre dessa tensão permanente.

Maurício Barbanti: Sim, nossa cultura romantiza a vida na selva. Não vivemos no mundo de Walt Disney. Se pudéssemos perguntar para os bichos o que eles querem, certamente responderiam que desejam uma vida sossegada. A vida na natureza é muito dura.

Faunauê: Com isso, é óbvio, não se está pregando que retiremos os animais da vida livre, impedindo-os de cumprir suas funções ecológicas, e os levemos todos para os zoológicos.

Maurício Barbanti: Claro, mas como disse os desafios que a natureza impõe aos animais é enorme e só sobrevivem aqueles que conseguem enfrentar isso, é o que chamamos de evolução.

Maurício Barbanti: Na comunidade científica a presunção que existia de que os animais em cativeiros estão estressados é uma realidade superada há 30 anos.

Faunauê: Sim. Creio que agora a missão dos ambientalistas que possuem meios de formação de opinião é levar essa atualização científica para a sociedade.

Faunauê: Obrigado, professor Maurício, por mais essa aula.

Eduardo Pedroso para Faunauê.

Foto de capa: Dodô, jacurutu (Bubo virginianus) pertencente ao ambientalista Wagner Ávila e a fotógrafa Zoraide.

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