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O corte de orelha em gatos de rua, mutilação ou prática necessária ao método CED?

Por Eduardo Pedroso

Vimos na edição de setembro da revista Bom Criador que CED significa captura, esterilização e devolução e é um método de controle de gatos de rua que surgiu na metade do século XX na Inglaterra. Esse método se espalhou pelo mundo, tornando-se uma eficiente ferramenta de defesa da saúde humana, do bem-estar animal e da preservação da fauna silvestre.

Acompanhamos também na coluna de setembro as evidências técnicas que justificam devolver para as colônias os gatos depois de castrados, vacinados contra raiva e com um pequeno corte em uma das orelhas, ou melhor, uma marcação na orelha esquerda.E é sobre esse último item do parágrafo acima, a marcação de orelha, que vamos falar na coluna desse mês.

Por que marcar a orelha esquerda dos gatos?

Primeiro é importante dizer por qual motivos os gatos são marcados no processo de CED. E são marcados, exclusivamente, para serem distinguidos, nos trabalhos de campo, entre castrados e inteiros (não castrados). Os que passam pelo processo de captura, esterilização e devolução recebem uma marcação para que sejam diferenciados dos que ainda não passaram pelo processo. Separação visual de indivíduos. Simples assim.

Para o bom funcionamento da atividade de controle de uma colônia, para que a aplicação do método CED funcione, é necessário que possamos perceber quais indivíduos estão castrados e quais indivíduos não estão castrados.

Fica fácil compreender quando temos um exemplo. Trabalhei voluntariamente durante muitos anos em um cemitério público da cidade de São Paulo. Nesse local havia uma colônia de gatos numerosa, na verdade eram várias colônias que se distribuíam entre as ruas e quadras do cemitério. Os gatos eram, em sua maioria, pretos. Um enorme contingente de gatos pretos, restando poucos exemplares na colônia com padrão de pelagem que não fossem… preto!

Dado o cenário acima, convido ao seguinte exercício mental. Depois de seis meses fazendo ações no cemitério, capturando, esterilizando, vacinando e devolvendo gatos pretos, como seria possível após esse período saber quais gatos pretos estavam castrados e quais ainda não estavam? Como monitorar e capturar gatos de uma colônia com muitos indivíduos, todos muito parecidos, sem torná-los visualmente diferentes entre si?

A resposta é óbvia. É preciso que os gatos castrados, os que passaram pelo processo de CED, carreguem uma marca para que não sejam capturados novamente e para que se saiba a quantidade de gatos faltante para se atingir o controle numérico da colônia. Essa ideia parece tão banal, tão ordinária, que é alarmante que pessoas sejam contrárias à marcação de orelha proposta e praticada no método CED.

Entretanto, para o espanto das pessoas que se dedicam ao controle ético de gatos de vida livre, e para toda gente que tem educação ambiental e bom senso, existem grupos dentro da proteção animal, respaldados por políticos oportunistas, que combatem a marcação de orelha acusando a prática de mutilação, e, portanto, maus-tratos.

O FUNDAMENTO TÉCNICO E CIENTÍFICO DA MARCAÇÃO DE ORELHA

Antes de me ater a esses grupos de proteção e políticos que tentam criminalizar o método CED, vou iluminar o assunto com um artigo científico publicado na revista Clínica Veterinária 130. Eu disse iluminar, mas não é isso, eu vou dar sustentação técnica para a existência e aplicação da marcação de orelha feita nos gatos de colônias onde se emprega o método.

O artigo “Corte de orelha para identificação de gatos de vida livre: mutilação ou procedimento necessário?” é assinado pelas médicas veterinárias Rita de Cássia Maria Garcia, Rosângela Ribeiro Gebara e Carolina Trochmann Cordeiro, e trata-se de um belíssimo texto sobre CED produzido por técnicos.

Logo no início, após a definição do que é um gato feral, temos a seguinte colocação: “O manejo populacional humanitário de gatos envolve a captura, esterilização cirúrgica e devolução (CED) para o mesmo local, sendo fundamental a identificação dos animais que foram castrados”.

O artigo científico continua e oferece muitas informações importantes, destaco e reproduzo um trecho:

Existem diversos métodos disponíveis para identificação de animais, como microchipagem, tatuagens, colares e plaquetas, etc. No caso de felinos que vivem em colônias que estão sendo manejadas por meio da estratégia CED, o principal objetivo é identificar os animais que já foram capturados e esterilizados e evitar tanto o estresse e o sofrimento animal, como também gastos desnecessários com uma recaptura e anestesia. Para tanto, nestes casos o método de identificação deve seguir os seguintes pré-requisitos: ser permanente, ser visível à distância, ser de fácil execução e obviamente não causar nenhum dano ou injúria ao animal.

Infelizmente, nenhum dos métodos de identificação mencionados acima são indicados nos casos de colônias de gatos que estão sendo controladas por meio de programas CED. As tatuagens não podem ser vistas à distância e, em se tratando de gatos ferais, muitas vezes a aproximação antes da captura se torna impossível. Os colares com plaquetas de identificação, além de não serem permanentes, pois os animais podem perdê-las, são perigosas para animais de vida livre (por exemplo, animais que crescem ou engordam podem ser machucados pela coleira; animais ficarem presos a objetos ou galhos de árvores, trazendo sérios riscos à vida e à saúde dos animais).

As autoras do texto querem dizer que só é possível identificar gatos de colônia seguindo uma convenção internacional que determina que durante o período em que o animal estiver anestesiado para cirurgia de castração, nesse momento em que o gato está “apagado” no centro cirúrgico, o profissional médico veterinário, utilizando instrumentos adequados, deverá fazer um corte reto de meio centímetro, do topo para a base, na orelha esquerda do gato. Nas fotos que ilustram essa coluna de outubro é possível ver com bastante clareza o efeito dessa prática.

A marcação é eficiente e permite o contato visual à distância, algo que tatuagem e chip não possibilitam. E muitas vezes, em campo, o profissional ou ativista escolhe o gato que deve ser capturado, pois existem armadilhas que são disparadas pela mão humana e não pela presença ou peso do animal dentro do equipamento.

O artigo é bem completo e detalhado e faz observações técnicas a respeito do procedimento de marcação.

Vale muito a pena ler na íntegra e vou deixar aqui o link

O artigo está entre as páginas 36 a 38. Bom para ler e guardar, é um dos raros materiais de qualidade sobre CED com chancela acadêmica.

O FUNDAMENTO LEGAL DA MARCAÇÃO DE ORELHA

O comunicado abaixo foi publicado no site do CFMV em 20/08/2018 https://www.cfmv.gov.br/…/comunicacao/noticias/2018/08/20/

“Felinos abandonados e capturados para castração costumam ser marcados, com pequenos cortes na ponta da orelha, sinalizando que já passaram pelo processo de esterilização.

O objetivo é facilitar o reconhecimento visual dos gatos castrados e evitar que sejam desnecessariamente recapturados para outra intervenção.

O CFMV (Conselho Federal de Medicina Veterinária) entende que a marcação na orelha de felinos feita junto com o processo da castração, realizada por médico-veterinário, com o animal ainda anestesiado, em ambiente cirúrgico apropriado e seguindo os protocolos científicos corretos, é um procedimento técnico viável, não configura maus-tratos, nem ato de crueldade.

O Conselho não considera que seja mutilação estética, tanto que não o inclui no rol de procedimentos proibidos, previstos na Resolução CFMV nº 1027, de 10 de maio de 2013.

Cabe, no entanto, que os Conselhos Regionais de Medicina Veterinária fiscalizem os locais onde ocorrem as cirurgias para avaliar se os estabelecimentos de castração possuem médicos-veterinários como responsáveis técnicos.”

Eduardo Pedroso para a revista Bom Criador de outubro de 2021.

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