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O que é o método CED

Por Eduardo Pedroso

CED significa Captura, Esterilização e Devolução e é um conjunto de regras destinado ao manejo para controlar populações de gatos domésticos de vida livre nos meios urbanos e nos entornos de unidades de conservação (UC) e demais lugares de vida selvagem.

Nas cidades ao redor do planeta é conhecido e aplicado por ONGs e governos há décadas e demonstra-se bastante eficiente na proteção da saúde pública e bem-estar animal.

Nos entornos da vida selvagem seu emprego ainda é tímido. Esses entornos são locais de expansão urbana que afetam profundamente as espécies nativas quando esses mesmos locais não são tratados de maneira ecologicamente correta. Ou seja, quando as populações de cães e gatos não são controladas e impedidas de avançar sobre extensões e fragmentos de matas nativas, afetando o ecossistema local. A presença de gatos domésticos, espécie exótica invasora, dentro e nos entornos de unidades de conservação é relatada como um problema grave por diversos pesquisadores e gestores dessas áreas protegidas. Só que isso é assunto para outra hora.

Vamos ao meio urbano, onde o conceito é bem aceito e está solidificado.

O método foi estabelecido a partir do pioneirismo de uma ativista inglesa chamada Ruth Plant, em meados do século XX. Um livro escrito por uma outra ativista, Jenny Remfry, lançado em 2001, com o título, Ruth Plant: A Pionner in Animal Welfare (em tradução livre, Ruth Plant: uma pioneira do bem-estar animal), consagra Ruth como a primeira pessoa que manejou gatos de rua seguindo o protocolo do método CED. Em inglês, TNR (Trap, Neuter and Return), ou seja, capturar, castrar e devolver gatos de vida livre e temperamento forte para o local onde vivem esses animais, as chamadas colônias de gatos.

E por que devolver?

Esse é o primeiro ponto sensível e logo identificado por pessoas que nunca tiveram contato com o método e guardam expectativas baseadas no senso comum e no imaginário coletivo. Quebrar a expectativa de que exista um local apto a receber milhares, milhões, de gatos de rua é dever de todo técnico ambiental que se dedique ao trabalho de controle ético de gatos de vida livre. Não existe mágica. Prefeituras brasileiras não têm estrutura para abrigar animais de rua.

Em 2020 estive em uma capital do Nordeste e ouvi do próprio diretor do centro de controle de zoonoses local que a entrada de novos animais nos gatis e canis públicos se dava unicamente através de medidas judiciais, e que para receber o novo animal, imposto ao órgão via canetada de juiz, um animal doente precisava ser eutanasiado. Justamente aquele que estava em tratamento e havia consumido dedicação profissional e recursos para ficar bom, pagava com a vida para abrir espaço para receber o novo “sortudo”. Depois dessa conversa eu fiquei imaginando se não era possível registrar com uma câmera de celular a eutanásia do bichinho doente e enviar para o juiz via WhatsApp.

Ainda que esforços sociais fossem feitos para melhorar a estrutura dos órgãos públicos no sentido de receber mais animais, seriam passos errados dados na direção de um caminho torto. O problema seria ampliado. Abrigos públicos são depósitos de animais. E na verdade, os centros de controle de zoonoses não têm a função de abrigar animais de rua, o trabalho de um CCZ é cuidar da saúde humana impedindo que doenças sejam transmitidas à população. Primordialmente é isso.

Outra opção sempre lembrada por pessoas que não são afeitas ao assunto ou carecem de melhor instrução, são as ONGs. As organizações não governamentais. Também essas, em sua maioria quase absoluta, são depósitos de animais. Sem a generalização que se propaga em alguns meios, essas organizações, muitas delas, estão preocupadas, antes de tudo, com o bem-estar de seus dirigentes. Infelizmente a causa animal virou trampolim social e muitas pessoas nos últimos anos enriqueceram, ganharam status e cargos legislativos explorando a inocência alheia e pior, mantendo os animais de rua em situação degradante.

Meu primeiro emprego foi de contínuo, ou office-boy, como se chamava à época. Minha primeira visita a um cartório da Praça da Sé foi um tanto traumática. Eu vi um mendigo ser agredido por populares. Perguntei para um camelô o porquê daquilo e ele me disse que o mendigo enfaixava a perna e por debaixo da faixa escondia um pedaço de carne crua sangrando, o que parecia, aos olhos de quem passava, uma enorme ferida. Naquele meu primeiro dia de Praça da Sé eu presencie o fim daquela malandragem, e foi bastante violento. A esmola carecia de mentira.

Muitas ONGs e personalidades da causa animal funcionam como o mendigo. Salvo raríssimas exceções, não se pode contar com essas organizações para fazer controle ético de gatos de vida livre. Os gatos são a carne crua sangrando escondida na faixa da perna do mendigo. Descartemos, portanto, as ONGs. Se alguém quer fazer controle de gatos de rua não é a elas que se deve recorrer. Novamente fazendo observar que há poucas e honrosas entidades que realmente lidam com o problema.

Além da falta de capacidade de prefeituras e ONGs para abrigar de maneira decente animais de rua, temos uma razão ainda mais forte a se considerar para defender a devolução dos gatos para as colônias após a captura, castração, marcação e vacinação contra raiva. A falta de capacidade, agora do gato, de se adaptar ao confinamento.

Quase a totalidade dos indivíduos que habitam uma colônia é de temperamento forte. Por temperamento forte entende-se aquele gato que não tem perfil para adoção, que não se adapta a um novo local de moradia, que não pode ter sua área de vida restringida. Outros termos também são usados para se referir a esse tipo de gato, asselvajado, assilvestrado e feral.

Ao longo dos meus anos na proteção animal presencie por inúmeras vezes protetoras capturando gatos asselvajados com armadilhas e os segregando em abrigos de ONGs ou residências de pessoas que acumulam animais. Eu posso dizer que um percentual muito alto desses gatos morreu semanas após o confinamento. Os que não morreram estão presos até hoje. Um bom número deles, em locais insalubres.

O gato de temperamento forte, quando confinado, entra em estado de sofrimento e tem seu comportamento psicológico alterado, fator determinante para baixar a imunidade do seu corpo. O estresse derruba o sistema imunológico do animal e sua saúde fica bastante comprometida. Doenças pré-existentes, e antes assintomáticas por conta do equilíbrio e bom funcionamento do sistema imunológico, afloram e o que se vê é um bicho doente e que não permite manejo para tratamento justamente por conta de sua reação agressiva.

A domesticação de um gato adulto feral é algo muito complexo, e se colocada em prática é totalmente contraproducente. Meses, anos, muito recurso, muito tempo de quem se dedica e resultado pífio na maioria das vezes. Isso quando o animal resiste ao confinamento sem sintomatizar doenças pré-existentes.

Outro motivo que confirma e comprova a necessidade e eficiência da devolução dos gatos para as colônias é o conceito de nicho vago, erroneamente chamado de efeito vácuo. Basicamente é a substituição de indivíduos por outros que se aproveitam do ambiente não modificado deixado após a remoção de uma colônia.

A ocorrência desse fenômeno: a substituição de uma população por outra em curto espaço de tempo, mantém todos os elementos de desestabilização que existiam na primeira colônia. Reprodução desenfreada da espécie, risco para a saúde pública e desconforto para a comunidade humana, que não deixa de conviver com o barulho do ritual de acasalamento, o mau cheiro e a situação de penúria dos animais. Situação típica de colônias descontroladas. Por isso é muito mais inteligente e humano aplicar o método CED. Colônia controlada é silenciosa, segura e saudável.

Ficamos por aqui. Mês que vem vou abordar outro procedimento muito polêmico que está inserido no protocolo do método CED, a marcação de orelha.

Esse texto foi originalmente publicado na coluna mensal “De papo com resgatador”, escrita por Eduardo Pedroso para a revista Bom Criador número 14, de setembro de 2021.

https://bomcriador.com.br/

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